julho 29, 2004

Rascunho de filósofo

Na antiguidade clássica, uns rapazes acabaram por construír um dos pilares perenes, senão o mais profundo, da nossa civilização. Chamavam-se os Peripatéticos.
Andavam de um lado para o outro, em zigue-zagues de lógica filosófica dos quais deduziam teoremas aos quais obrigavam os seus discípulos a chegar (quer eles o percebessem ou não) porque assim inventavam uma ideia de sociedade.
Exemplos: Platão e o outro que ostenta o mesmo nome que este meu aqui, desgraçado...
A diferença entre os filósofos de outrora e estes "outroras" de filosofia actuais está, como é fácil de ver, em que o que se pretende agora é chegar aos discípulos através de teoremas que tanto zigam como zágam subvertendo a lógica filosófica dos valores aos interesses de um lado, ou de outro, por onde não se importam de derivar ao sabor daquilo que momentaneamente lhes seja mais... produtivo.
Peripatéticos é uma expressão que assume hoje novos contornos. Sócrates era um "ideota". Este derivado actual também é. Mas merecendo mesmo o "i" no meio.

PS: cá por mim, rapaz, descansa que não me esqueço que andavas a preparar a tua subida enquanto outros davam a cara. A vida é uma soda, já dizia o teu tio...

julho 27, 2004

O sacrifício iluminista

Para chegarmos ao conhecimento temos forçosamente que ser exógenos, estranhos. Distantes.
A profundidade da compreensão implica sempre a efemeridade. E não por anulação da subjectividade ou do nevoeiro emocional. Não se trata de método científico. Pelo contrário: como alguém me ensinava no outro dia - "tem que ser Descartes com Candomblé!".
Viajei de volta a uma interrogação onde vivi há dois anos. Nessa época não fui cosmopolita intelectual nem assimilado no exílio. Despojei-me e entreguei-me às alturas. Para absorver. Inquietante, agora que conheço o alcance do meu fracasso.
A Índia forma 1.800.000 engenheiros informáticos por ano e espera-se que em 25 anos ultrapasse a população da China. A Indonésia mandou 200.000.000 de eleitores a votos naquela que é simultâneamente a maior e mais moderada democracia islâmica do mundo - sem altercações. O Japão não tem nem território nem recursos naturais - está no "cutting edge" do milénio de Peixes e nem por isso se baseia na exploração de mão-de-obra. A China - "Yes, still communist..." - é hoje o único bloco verdadeiramente autónomo dos EUA (aliás em "Plan of Attack" de Bob Woodward lá aparece que no brieffing sobre ameaças externas sobre os EUA conferido ao cowboy Bushvique e a Rumsfeld, a China aparecia em terceiro lugar). Prepara-se para a ultrapassagem. Em tudo, e em breve.
É da Ásia a nova Renascença.
E porquê? Porque na Ásia se domina o chamado "Capital Simbólico". Não, não me converti nem a Krishna, nem ao Corão. Não acredito no Deus Católico. Mas também já percebi que não sou - não somos - a criatura/reflexo de perfeição na Terra. Porque acredito, sim, no potencial infinito do género humano e nas limitações que nos são impostas - todas artificiais.
E é destas limitações que "estes seres baixitos, amarelados", famintos aos milhões, se andam a desviar.
Usando, milénio após milénio, do mesmo capital simbólico. As mesmas orações, os mesmos ensinamentos, as mesmas respostas aos fenómenos naturais, os mesmos Deuses. A mesma, exacta, forma de construír uma casa. Com tecnologia anti-sísmica rodeada de rituais de bambu e oferendas à Mãe-Terra. Que não tem 2000 anos. Tem 100.000.
É o Candomblé que se serve de Descartes e não ao contrário, como nos quis convencer essa perene instituição da Igreja Católica que foi a Sagrada Inquisição.
E foi no meio desta vegetação simbológica exuberante que me vi regressado àquela "praia adiantada" do Cinatti. Vivendo lá, temi o "Estado Falhado" de que falava Khalevi J. Holsti. Passando por lá conheci a procura da "Felicidade Nacional Bruta" em vez da busca pelo PIB de Singapura.
E que solução tem aquele Povo para a atingir? Qual é o próximo passo?
É o animismo ideológico: "Estamos a matar a Mãe para ir ao baile do orfanato".
Assim.
Se eu lá vivesse, indignava-me. Como só lá estava de passagem, fez-se-me um clique.
Só agora, meu Deus...

 


julho 21, 2004

A Ana

Muitas vezes dizer as palavras todas, com verbo tempo e modo sai... ridículo.
Um olhar basta.
E não há "obrigado" mais sonoro ou audível que seja mais explícito que uma cumplicidade qualquer.
Aprendi hoje com a Ana que as mulheres nunca são iguais. São é sempre mais dignas.
"Olhar". E chega.

julho 15, 2004

De XXXXX

Praia presa, adiantada
no mar,no longe, no círculo
de coral que o mar represa.
Praia futura invocada.
XXXXX ressurge das águas,
praia futura invocada.

Ruy Cinatti, obrigado por este que diz tudo.

julho 14, 2004

Ilha cercada

Se alguma vez amarem, adivinharão então uma ansiedade física, ébria.
Contida. No outro.
Sem certeza. No risco.
Há um suspiro sussurrado para dentro, uma metadona de segundos.
Uma ventosa de paixão, que nos deixa no vácuo. Porque apenas a conseguimos ver pendurada. Mas está lá.
Já ela me disse. Com o pescoço, com as rugas de expressão. Porque veste a pele de um encarnado que até eu vejo. Involuntariamente. Nada me desperta tantos terminais como isto.
Estou no terceiro Continente consecutivo. Nem sombra de Jet-Lag. Por causa dela.
Mas tem a mão presa a uma linha de escolha. De compromisso redondo, inultrapassável. Inultrapassável.
Mas o sopro do coração continua, como nos cantavam os Clã.
É extraordinário como à volta dela só há mar. Mais nada aparece à vista. Pelo menos na minha.

PS1: há três anos votei entre duas ópticas de regime muito bem definidas: uma que chamava ao cargo a que concorria de "forças de bloqueio"; a outra que combatia pela legitimidade política do regime valorizando o cargo que disputava. Votei na segunda. Por causa dela, perdi à primeira. E agora espero por alguém que ao contrário de Sampaio volte a legitimar o regime. Porque contar deputados também eu sei. Melhor, se calhar.
PS2: Dylan, estou num teclado inglês. Fazes o favor de me corrigir estas calinadas todas?

Este editing foi "powered by" uma Embaixada de Portugal qualquer.

julho 05, 2004

O meu ego está insuflado a hélio!

Isto não vai nada mal.
Empenhámo-nos, de novo. Encontrámo-nos, de novo. Sofremos, juntos. De novo.
Perdemos.
Perdemos unidos e com classe. E isto é novo.
Nestas horas é que se vê. E do que vejo, do que leio nos rodapés dos canais de tv, esse verdadeiro telex de ligação às comunidades, de um Presidente humilde no agradecimento, resulta uma verdadeira novidade. Mesmo para quem ainda está a curtir o cabedal depressivo: não estamos contentes. Não chega. Queremos mais. Merecemos um Portugal melhor.
Sabe bem esta sensação de nos acharmos capazes do melhor entre os melhores. De não estarmos concentrados em distribuir a madrasta entre nós próprios. De nos parecer que não nos temos de contentar com o que está. De nos causar uma cãibra mental colectiva o habitual encolher de ombros.
Por isso, parabéns à primeira página do jornal "Público". Ao contrário da maioria das restantes, está lá a dignidade toda de uma mesma imagem, mas aqui vista de frente. Obrigado.

julho 01, 2004

Já agora, o quê?...

O que este país tem de melhor (exceptuando as pessoas e outros populismos subliminares do género) é o futebol. E o futebol é aquela actividade que seguimos todos os Domingos, com ameaços nublados de corrupção, encabeçadas por imagens de integridade oriundas do sector da construção civil e afins...
Não digo que aquilo que se passou ontem é que é o meu futebol, porque continuarei a seguir o outro.
Mas tudo isto me deixa sinceramente descrente.
Há uma rúbrica na programação das estações de Rádio do grupo da Renascença que interrompe o prime-time das ondas hertzianas para nos fazer passar a mensagem de uma doutrina social qualquer e que se chama "Já agora, valia a pena pensar nisto...".
Andamos fartos de pensar, parece-me. Não andamos é para a frente...