novembro 08, 2004

Eutanásia da velha Europa

Tenham lá paciência mas o blog também me serve de consolo. Já sei bem que ninguém lê coisa de tal porte. Não faz mal. Já me serviu a mim.
Oh Doutor Luís Salgado de Matos! Deixe-me que lhe explique a verdadeira razão da derrota de Kerry nos US: já não temos saco para colunas como a que o senhor escreve na edição de hoje do Público.
A ver: em primeiro lugar, homem: deixe lá de se demonizar pela derrota democrata. O homem ganhou. Vamos passar mal, mas cá continuamos e não desistimos por isso!
Depois: perceba - a razão pela qual eu (não apenas eu mas a asfixiante maioria das pessoas da minha geração) nunca votarei em quase nenhumas eleições - quanto mais numas europeias - deve-se precisamente a esse fenómeno de já ter o Sr. Doutor percebido tudo e a nós nos sobrar apenas o desconforto da ideia. Você ainda por cá anda, sabe?
Com que então ainda não percebemos que Bush ganhou porque não houve mais atentados na Homeland. Atenção Doutor, que me cheira que anda a confundir a pólvora com enxofre. Já percebemos, já. Até nos conforta. Significa (para quem olha da esquerda) que não era a ideia que era má, mas a mensagem que correu mal. A mim soa-me bem, apesar de tudo. A si falta-lhe, como diríam os americanos, closure - parece-me...
E os meios de comunicação social europeus andam a cegar-nos, diz vossa doutorância num... meio de comunicação social europeu. Está certo.
Porque a questão não é se Bush é bom mas se somos aliados dele. Fantástico! Nova teoria de não interessam os fins desde que os meios se justifiquem. Compreendo.
Cavalheiro: então a União Europeia serve apenas para evitar a guerra entre a França e a Alemanha. Olhe: sou muito mais novo que o Sr. (sem ofensa). Mereço mais do que essa Europa. A não ser que me explique (e aos franceses) que o alargamento à Turquia serve para isso. Ou aos alemães de Bonne que o Euro lhes compra apenas isso.
Here's a small glimpse: a Europa não é apenas uma bolha geográfica de segurança entre França e Alemanha. Se me disser isto então passo a fazer como a maior parte dos meus e encolho os ombros como você faz com a eleição de W. Vá-se lixar! A Europa é uma ilha de Paz e um catalizador de progresso quanto mais unida esteja e mais ultrapassados sejam os seus fantasmas. Como o da necessidade de uma cidadania comum para uma moeda comum: andamos a reinar! - ou não temos guardadas nos museus moedas dos tempos da ocupação romana (ou éramos romanos - já não sei?)?
Meu caríssimo assistente (espero que não mais do que isso, se não estamos bem tramados): veja lá se percebe bem o que significa quando alguém lhe diz que a Europa tem que passar a assumir as suas responsabilidades e investir na sua defesa. Deixe-se de populismos de esquerda e pacifismos bacocos que já não pegam: os americanos votaram em quem lhes garantiu zero atentados, remember?? Well they're still wrong in what concearns me!
A Europa não tem que se armar por causa dos EUA ou contra os EUA. A nova ameaça, esta depois da Guerra Fria (essa já acabou Doutor!!) é o terrorismo. E face a ela só há uma de duas hipóteses: ou a maniqueísta tipo eixo do mal do género desta sua frase:
ou a multilateralista, pelo primado do Direito Internacional, pela fé, inabalável, de que o espírito e o génio humano ultrapassam todas as fronteiras e todos os desafios (hum... esta frase soa um pouco americanóide..).
A única coisa, a última coisa que vos peço (à sua geração) enquanto ainda por cá andam a estragar as coisas (a minha difícilmente estragará tanta coisa em tanta tentativa) é: não façam da Europa o reflexo ou o convexo dos EUA. Não por superioridade como supõe, mas porque nos bastava ir para lá: é essa a diferença entre a minha geração e a sua, sabe: você não podia e a mim é-me tão fácil...
Tenho para mim que a necessidade de nos prepararmos não tem que ver com sombra mas com luz. Não é para suplantarmos os EUA. Quaisquer EUA. Mas para sermos voz alternativa. Enquanto andarmos apenas a mandar bocas não temos remédio senão encolhermos ombros como faz o Sr. Doutor. Se entretanto nos inspirarmos e nos constituirmos fortes não haverá apenas uma única "razão". Tanto faz se boa ou má. Haverá sempre outra. Como entre França e Alemanha na CECA, lembra-se? Ou Wilson, nas eleições que perdeu a seguir à 1ª GG.
Disse Vossa Excelência no Público de 14/07/003 (de que não consigo fazer link) "O federalismo europeu e o nacionalismo dos europeus avançam de mãos dadas". "Here, here!" digo eu à melhor maneira do Senado dos US. Não tenha medo. E não encolha os ombros.
O Senhor fala do suícidio da Europa mas propõe algo de muito diferente... Vê o Sr. o copo meio vazio enquanto eu o adivinho meio cheio. Digo da Europa, mais ou menos o que Churchill dizia às tantas, não sei bem de quem: "Nela, facilmente lhe descobriremos os defeitos. Mas levaremos uma vida a aprender-lhe as virtudes."