outubro 25, 2004

Espera por mim na esquina

Esperei. Esperei tanto que já nem sei quantos segundos tem um minuto, quantas horas tem um dia, quantos meses tem um ano. Esperei porque prometi que esperava, por respeito pela tua idade. Já não vens. Há quem jure todos os dias que te viu a ponta do cabelo e garanta que tu voltas para a semana, para o próximo semestre. Já nem sei o que és, o que foste. Se calhar nunca exististe. Maldita caixa de Pandora, esta, que eterniza a esperança na vida do Homem. Por causa dela oiço, já sem icterícia, crónicas da vida privada de um Ministro que se separou judicialmente da mulher para pagar menos impostos. Por causa dela percebo que homem que é homem muda de ideias dez vezes ao dia e não tem medo de lançar mísseis peregrinos para um ágora quase esvaziado por uma quinta onde os burros usam fio dental. Por causa dela acato decisões tomadas com base num risco previsto com seis meses de antecedência, e comunicadas às seis da manhã de uma sexta-feira, quando talvez se pudesse esperar pelo fim-de-semana e permitir às pessoas programar a sua vidinha. Porque é assim. Porque a chuva quando vem não nos pede a nossa opinião e até lhe agradecemos, pois já basta ter que decidir se vamos passear para o Colombo ou para o Vasco da Gama, se pedimos um empréstimo para as férias ou para trocar de carro.

Talvez um dia eu me canse de esperar e te abandone de vez. Ou talvez me apeteça voltar a arregaçar as mangas por ti. Mas temo que esse dia só chegará quando uma catástrofe te assolar, tipo Ferreira Leite convertida em ‘Nela a terrível’ de categoria 5 na escala de Saffir-Simpson, varrendo as SCUT de Norte a Sul. No dia em que, aninhada numa tenda instalada num estádio de futebol, partilhar metade de um pão com lágrimas com o Belmiro, vir velhinhos a morrer e a ajudar a tapar o défice, e crianças que só sonham com um dia tranquilo na companhia de um assistente de juiz.

Ainda aqui estou, sim, na esquina, sem saber se devo entrar no beco escuro para onde me guia o ruído ou seguir a luz azul com estrelas amarelas…

PC
PS: Isto de vez em quando convém ouvir os outros. Principalmente quando, como é o caso, têm a autoridade moral de ter baptizado este blog. Este espaço tembém é dela. Não pela autoridade moral, mas porque o que lhe "ouvi", no texto acima, merece mais o espaço do que o que eu lhe pudesse dizer hoje. Keizer Soze