setembro 22, 2004

A Ópera do Malandro

Muito sinceramente, se existe ainda alguma coisa que me prende ao debate interno no PS, e que me faz simpatizar mais por algum dos candidatos, é a questão da caracterização ou descaracterização do discurso do Partido versus o appeal ao chamado eleitorado de centro (será de Leiria?) como condição sine qua non para as vitórias eleitorais. E inclinando-me eu mais para a primeira (ou para a da esquerda para quem olha daqui), sobra-me sobre o debate de ontem a confirmação de uma certeza que já tinha: aquele que vai ganhar não mudará o PS, aqueles que têm vontade de mudar não ganharão o PS. É um sintoma de gripe crónica, cujo antídoto não resulta, para mim, sequer de uma vitória em 2006.
Sócrates será Secretário-Geral com toda a legitimidade, e eu nada tenho que ver com isso. Mas o discurso dele trouxe-me à memória uma área do Rigoletto (Verdi), por acaso e coincidentemente, a cena de início do Primeiro Acto logo a seguir à abertura, na qual o nosso herói, o Duque, enfrenta o salão de festas do seu Palácio, apreciando as beldades ora à esquerda ora à direita, as descomprometidas e as nem por isso, a que viu há cinco minutos como a outra que contempla agora. E gaba-se disso. Ora vejam (e desculpem as eventuais calinadas de italiano):

Questa o quella per me pari sono
a quant'altre d'intorno, d'intorno mi vedo;
del mio core l'impero non cedo
meglio ad una che ad altra beltà.
La costoro avvenenza è qual dono
di che il fato ne infiora la vita;
s'oggi questa mi torna gradita,
forse un'altra, forse un'altra doman lo sarà,
un'altra, forse un'altra doman lo sarà.
La costanza, tiranna del core,
detestiamo qual morbo, qual morbo crudele;
sol chi vuole si serbe fidele;
non v'ha amor, se non v'è libertà.
De' mariti il geloso furore,
degli amanti le smanie derido;
anco d'Argo i cent'occhi disfido
se mi punge, se mi punge una qualche beltà,
se mi punge una qualche beltà

Que é como quem diz:

Esta ou aquela para mim dá no mesmo (Que é a minha máxima)
Que qualquer outra que à volta de mim vejo, (tanto faz!!)
O meu coração não vou desperdiçar (e já estar prá'qui a discutir convosco...)
Nem nesta beleza nem em nenhuma outra. (já agora comprometia-me, não!?)
O seu encanto é uma benece (É bom agradar a todos, porque)
Trazida pelo Destino para embelezar as suas vidas ( não vá um dia eu hesite)
Se hoje gosto desta (e é melhor é não dizer nada com nada)
Amanhã provavelmente gostarei de uma outra. (senão depois é aqui o Zézinho que incha)
Odiamos a constância, tirana do coração (Lá vem a conversa dos valores, não há saco!)
Como se fosse uma praga cruel, uma praga cruel. (Apaga! Apaga!)
Deixai àqueles que pretendem ser fiéis que assim se mantenham; (Nem me dou com eles...)
Não há amor se não há liberdade. (isto quer é todos ao molho)
Dos maridos ciumentos, a fúria (E quanto ao eleitorado que pensa antes de votar,)
Como aos amantes que desprezo (como depois temos que lhes prestar contas)
Os cem olhos de Argo desafio (votem em mim:)
Se dou com uma piquena jeitosa. (não vêm que se estou a sorrir para todos é porque vos quero a todos... acho... não!... só antes das eleições... não!.... só depois das eleições... sim!... não é?...)

À Esquerda, óbviamente está a versão verdadeira; à direita, em itálico e entre parêntesis está o raciocínio do Zézinho durante o Recital de ontem.